
"Muitos são os temas sobre os quais poderíamos conversar hoje, afinal de contas todos estão ansiosos por conhecimento, e isso deixa-nos contentes, porque somente o homem que bater à porta, somente a ele a porta se abrirá, e é necessário então que cada um queira encontrar o caminho, que cada um queira bater à porta e queira ir e descobrir os mistérios que nos envolvem nesta dimensão em que estamos.
E, claro, quando vejo que muitos estão à procura desses mistérios, estão batendo à porta, e querem chegar a encontrar a luz, ou seja, esclarecer ou clarificar o mundo de sombra em que vivem.
(...) Ainda resta uma esperança, uma esperança dentro de cada um de nós que está aqui - muitos de vocês, até, ainda em conflito, porque não é fácil mudar de uma hora para outra. Viver 20, 30, 40 anos, para alguns até mais, viver em um mundo de sombras, em um mundo cheio de teias, e gente se enroscando em cada pedaço... em um mundo agressivo, em um mundo que você precisa usar a força, a força que o meio oferece: a força física, a força do poder financeiro, a força do poder social, a força... usando força para poder atravessar o mundo.
Compreendemos as atitudes das pessoas. Nós sabemos que esse mundo realmente é de sombras, e sabemos que as pessoas agem da forma como agem porque senão não lhes será concedido um lugar ao sol.
Então, há luta realmente, essa luta terrível que se trava dentro de cada um, e fora, nas suas manifestações.
O melhor, o melhor, o mais que podemos fazer é realmente o que estamos fazendo: tirar as sombras, tirar as trevas, limpar a dimensão, mostrar outras dimensões, porque achamos que agindo neste ponto estamos ajudando a todos.
Para os nossos filhos - e muitos aqui têm filhos; os que não têm, um dia terão! - se pararmos para pensar que mundo de sombras vamos oferecer para os nossos filhos! O que adianta eu deixar poder financeiro, material, social, e mesmo cultural, dessa cultura que aí existe? Se realmente nós quisermos o bem dos nossos filhos - para não dizer dos nossos irmãos, para não dizer de todos os seres, porque somos todos iguais! - mas se quisermos o bem, realmente quisermos o bem (não um pouco, mas realmente), teremos de agir num ponto abrangente, num ponto que seja o ponto da solução. E me parece - pelo menos até onde eu consegui chegar - que o ponto é tirar as trevas, limpar, clarear.
Devagarzinho, aquele conceito de vida - que é vida-prisão, vida estreita, escura, nas trevas - as pessoas começam a considerar com "v" minúsculo, e começam a compreender que existe mais Vida, Vida com "V" maiúsculo.
Pela lógica, as diferenças, se quiserem fazer a Justiça, se forem justas, se advêm de um Deus Maior, essas diferenças não devem ser injustas, como nos parece à primeira vista. Porque aqui, neste vale de sombras, alguns até que conseguem uma certa... uma certa claridade, um pouco de luz. Mas outros, nesta vida, vivem numa escuridão total e completa, fazendo atos que se transformam em fatos que só podem acontecer na escuridão. _
Eu quero dizer: como é que alguém pode matar alguém?! Como é que alguém pode roubar alguém?! Como é que alguém pode pisar em alguém?!
Ora, fatos como esses são fatos que só acontecem na escuridão, porque se estiver tudo escuro, eu piso em você! Eu não sei que você está aí. Se estiver tudo escuro e tem um copo para beber e eu estou com sede... ou comida, eu pego e como! E muitas vezes como bastante! Vou comendo! É porque está escuro! Porque se tivesse claro, eu teria visto que você está aí, você está aí, você está aí, e este pão eu repartiria um pouco para você, um pouco para cada um! No entanto, na escuridão eu passo a mão... e como, como, como - descobri uma fonte e fico sugando aquela fonte! E você que não descobriu a fonte, sofre! E como eu descobri a fonte, eu até cerco a fonte, e ao cercar a fonte, eu piso, piso. Muitas vezes, no pisar, eu mato! Isto só pode acontecer nas trevas. Isto só pode acontecer porque não há luz, porque à medida que a luz vem eu reconheço você e vejo que é igual! A mão... tem este dedo igual a este, tem este, tem este... é igual! Tem cabelo... é igual! E aí eu me envergonho de pegar todo o pão para mim. Nasce em mim um sentimento de autoproteção até, porque nós somos iguais, é quase como se eu fosse você!
Então, um dia, eu acho que as pessoas devem parar e entender que o egoísmo - que é o câncer, a raiz cancerosa dos sofrimentos - aparece só na escuridão. Se eu quiser realmente deixar algo de bom para os meus filhos, ou deixar um rastro luminoso por onde eu passei, não adianta eu ensinar para o meu filho onde é a fonte; adianta eu acender a luz. E quando eu descubro isso, já descobri que a vida não é só aquela num vale de sombras. Existe uma vida num ambiente claro.
Deveremos fazer sempre isso, dia e noite, a cada instante: acender as luzes, dar espaço para quem ainda precisa dele, dar lugar para quem ainda quer o lugar, favorecer as passagens para quem ainda as procura. Ensinar. Porque, já reconhecemos a continuação da Vida, porque seria injusto eu viver na luz, num meio de luz, e outro viver em um mundo de trevas.
Mas, se quem fez tudo, o Criador, o fez por Justiça - porque Ele deve ser a Justiça Absoluta também, e não quereria o mal quando colocou alguém em trevas. Talvez Ele coloque cada um no reino que mereça, no reino em que tenha capacidade de viver, e permite o livre-arbítrio para que cada um procure novos reinos. Talvez seja até por isso que Ele diz que "a Casa de meu Pai tem muitas moradas"."
Dr. Celso Charuri(adaptado)
9 de outubro de 1981